Sexo "desprotegido", violência física e verbal, álcool, tabaco,
homofobia, há de de tudo na 'Casa dos Segredos 3', mas pode um programa
assim ser visto por mais de 100 mil crianças com menos de 15 anos? A
revista Notícias TV foi procurar respostas.
Vanessa Ferreira, concorrente expulsa no domingo
passado, reconheceu ter feito sexo enquanto estava na Casa, mas a
bailarina de 22 anos mostrou-se constrangida quando a revista lhe
perguntou se tinha usado preservativo. "Prefiro não falar sobre isso",
disse a jovem, poucos minutos depois de a emissão ter terminado. O
programa dessa noite, foi visto por 1,7 milhões de portugueses, entre
eles 130 mil crianças com menos de 15 anos e mais umas dezenas de
milhares com menos de 18. Crianças e jovens que ouviram Jorge Fernandes,
pai do concorrente Cláudio, especular sobre a sexualidade de Jean Mark,
e escutaram Teresa Guilherme inquirir Nuno e Vanessa sobre a vida
sexual do casal.
24% dos telespectadores do Secret Story da TVI têm idades entre os 4 e
os 24 anos, mas será a Casa dos Segredos adequada aos mais novos? As
opiniões, polémicas como o programa, não são consensuais. "Ver este
programa não é benéfico em nenhuma situação", afirma Paula Vilariça. A
pedo-psiquiatra considera que "em relação aos adolescentes não há grande
problema", mas que as crianças com idades entre os 4 e os 14 anos não
deveriam assistir a Casa dos Segredos, "mesmo supervisionadas pelos
pais". "Para já, os pais podem não se aperceber do que se está a passar,
podem nem ter a percepção ou supervisionar de forma adequada. Num
reality show o que se está a transmitir são modelos de relação e
circunstâncias que não são adequados a uma criança de 4 anos", explica
Paula Vilariça.
Marta Cardoso, concorrente do 'Big Brother 1' e repórter/comentadora da
'Casa dos Segredos 3', tem uma opinião diferente. "Os concorrentes não
são extraterrestres são jovens iguais a tantos outros, que pensam de uma
nova maneira. Acho que Casa dos Segredos pode ser pedagógica, caso os
pais expliquem as situações que lá se passam e alertem para o que deve
ou não servir de exemplo", e afirma não acreditar que haja crianças que
assistam ao programa sem terem o acompanhamento familiar. "As crianças
não vêem as galas sozinhas ou sem autorização dos pais. Não o fazem à
revelia. Os pais sabem. Estes números não me espantam, não me chocam, se
as crianças assistirem ao programa acompanhadas".
Jorge Fernandes, que afirmou numa publicação semanal que o filho,
Cláudio, era um "heterossexual puro", especulou, em directo na última
gala do reality show, que poderia existir uma relação directa entre o
tamanho do órgão sexual do também concorrente Jean Mark e a sua
orientação sexual. O tema da homossexualidade sempre foi apetecível para
os reality shows, mas nunca como nesta edição se ouviram tantos
comentários polémicos sobre esta temática. "A homofobia é uma coisa que é
desprezível, é de pessoas desinformadas e que têm uma série de
preconceitos com a homossexualidade", começa por afirmar à revista, a
sexóloga Marta Crawford, reconhece que, por vezes, "há muito folclore"
em torno do tema, o que nem sempre é benéfico para a quebra de
preconceitos... ao contrário do efeito que tem nos números. "Se o
programa exibe comportamentos que choquem, porque isso traz de alguma
forma audiência, naturalmente é bom para o concurso."
Sobre a existência de preservativos na Casa, Wilson Teixeira,
ex-concorrente desta edição, explicou que a Endemol não disponibiliza
profiláticos à priori, mas que estes podem ser pedidos junto da produção
do programa. "Podíamos requisitar, mas podíamos levar logo ao
princípio. Lá dentro tínhamos de pedir", diz o treinador do Bobadelense.
De forma a prevenir eventuais comportamentos de risco, Margarida
Martins, presidente da Abraço, revelou à Notícias TV que já entrou em
contacto com a Endemol para levar a cabo uma acção de sensibilização.
"Ainda não nos responderam, mas normalmente quando fazemos estas
propostas costumam ser aceites", explica. A representante da Abraço
adverte para a responsabilidade da Endemol no sentido de elucidar os
participantes sobre a prática de sexo seguro. "A produção devia ter,
quando as pessoas entram na Casa, preservativos e falar dessa situação,
porque sabe que as pessoas não se conhecem de parte alguma e que vão
ter, com certeza, como em todos os programas, relações".
Tal como Marta Cardoso, que também em 2000 se envolveu sexualmente com
um concorrente, que viria mais tarde a ser o pai do seu filho, também
Marta Crawford explica que os comportamentos de risco no programa são um
espelho da realidade. "Pelo que ouço na clínica e muitas das vezes em
palestras, há muita gente que diz que não usa preservativo, por isso,
imagino que lá isso também possa acontecer. Tem que ver com a má
formação, falta de educação, falta de contacto com sexólogos", explica a
especialista em sexualidade.
Wilson Teixeira afirma que tanto ele como os seus colegas que
permanecem em competição "são um exemplo". "É verdade que há coisas lá
dentro que para as crianças não são exemplo, mas normalmente é com os
maus exemplos que as crianças aprendem. E no caso de outros produtos
televisivos, como os Morangos com Açúcar, viam-se situações dessas, que
eram situações ficcionadas para as crianças não seguirem. Nós, ali, numa
vida real, demonstramos comportamentos que podem ser bons ou maus."
Pedagógica ou polémica, real ou sensacionalista, a Casa dos Segredos
continua a ser o programa mais visto da televisão portuguesa. E se
adolescentes e jovens adultos, embora possam ter estes concorrentes como
ídolos, já têm capacidade para distinguir o admirável do reprovável, os
mais de 100 mil pequenos telespectadores que assistem ao programa da
TVI, não. "Estes números explicam-se porque há uma cultura de ver
televisão como momento em família e porque há pouca sensibilização para o
impacte negativo que possa ter, provavelmente, devido à falta de
informação. As crianças, às vezes, partem do princípio de que se dá na
televisão, então não há problema", conclui a pedopsiquiatra Paula
Vilariça.
Sem comentários:
Enviar um comentário